sexta-feira, 1 de outubro de 2021

A Gamela


    Dentro do batuque, quem nunca arriou um amalá para Xangô? Impossível, né?! A Gamela vem a ser o prato (vasilha) onde se serve o amalá ou se corta para Xangô, sabem o porque disso? Irei contar. 

     Tem um itãn (lenda) que explica o porquê Xangô, o rei de Oyó, come numa gamela de madeira. Xangô sempre foi rei de Oyó e deu ordem a seus guerreiros, que quem ousasse cruzar a fronteira de Oyó seria preso com seus escravos, sem a condição de ser ouvido, isso era lei. Eis que um belo dia Oxalá sai a passear em seu cavalo branco, e desgovernado, o cavalo  adentra as terras de Oyó e Oxalá cai e fica desacordado sendo achado pelos guerreiros de Xangô e preso como todo aquele que cruzasse as terras do grande rei!

     Oxalá foi atirado num poço escuro junto aos escravos e ladrões. Suas vestes brancas estavam escuras de sujeira e pó, comida e água quase não chegava até eles, e quando vinha era em cochos (gamelas) de madeira, e assim permaneceu durante 12 anos que era a data em que Xangô soltava alguns escravos e ouvia suas queixas e lamentos. Para a surpresa de todos e principalmente de Xangô sai de dentro do poço seu pai Oxalá todo sujo (sujeira é quizila de Oxalá), magro e velho pelos anos ali preso, Xangô manda seus guerreiros levarem Oxalá para se banhar e trocar suas vestes e então se joga aos pés de Oxalá pedindo perdão. Oxalá o perdoa, mas lhe condena a comer para sempre numa gamela, igual a todos os escravos, e usar o branco junto do vermelho em sua homenagem.

      Ali na Lomba do Pinheiro tinha a finada mãe Nica do Xangô Aganju que era parteira e muito solicitada na época para realizar muitos partos. Mãe Nica era da nação Oyó e tinha seu quarto de santo apenas para abrigar seus santos, pois morava numa casinha simples e muito judiada pelo tempo. Não tinha filhos, mas muitos amigos e afilhados.

     Um casal a procurou para umas benzeduras de cobreiro e o pai Xangô da mãe Nica chegou e disse: Tu carrega um filho no ventre e esse filho será meu! O casal não entendia o que o tal santo da mãe de santo dizia, mas tinham eles em mente que a procurariam outras vezes até a criança nascer.

       Os afilhados de mãe Nica estavam planejando fazer uma quinzena para o pai Xangô em sua homenagem, já que era setembro, e o pai Xangô fazia 51 anos de vasilha no dia 29 do mesmo mês. Os afilhados e amigos próximos corriam para dar o seu melhor a madrinha e amiga mais fiel e humilde desse mundo.

      Chega dia 29 de setembro,dia de São Miguel Arcanjo sincretizado como Xangô Aganju no batuque do Rio grande do Sul, e os preparativos a mil, canjica no fogo, amalá sendo feito por mãe Nica, pois ela não aceitava alguém mexer na panela ou no pirão se não fosse filho(a) de xangô. Tudo transcorreu tranquilamente, e quando mãe Nica com os olhos cheios de lágrimas faz a chamada no quarto de santo, se anuncia um temporal, os trovões e clarões iluminavam a pequena sala onde seria realizado a quinzena para o pai Xangô.

      Durante o alujá o pai Xangô se faz presente,  dança para o tambor e diz: Hoje o céu e a terra estão em festa, em cada trovão eu agradeço e em cada clarão no céu Oyá, meu ajuntó, ilumina o mundo. E digo mais: Hoje estarei ganhando mais um presente, aguardem. Lá pela reza do Ossanha chega o casal aos prantos com a bolsa estourada no meio daquele povarel, e do centro da roda salta o pai Xangô e diz: É agora meus filhos! Sem tempo de despachar o pai Xangô, ele mesmo realiza o parto na porta do quarto de santo, amparado por todos os orixás presentes, e em minutos ouve-se o choro da criança, com o seu próprio obé corta o umbigo do pequeno, enrola ele em seu Alá e sai dançando até a porta, pede uma gamela grande com água morna e mel e banha a criança dentro do quarto de santo e a enrola de novo, para o tambor e diz:Esse é o presente que eu falava. Essa criança é minha, é filha de Xangô Aganju Bolá. Colocou a criança em cima da sua cabeça e tirou seu axé: Inagorô Naguiachaorô...Agô iêiê!...